Publicado em 10 de setembro de 2014
Professo a fé, mas minha namorada não
Por Padre Angelo Bellon
Minha namorada não crê, mas está disposta a me seguir na fé. Quero casar com ela na Igreja
Padre,
Gostaria de lhe pedir um conselho. Convivo há mais de três anos com minha namorada. Eu professo a fé, mas ela não. Antes de me mudar para a cidade onde nos conhecemos, eu era católico praticante. Gostaria de casar com ela na Igreja, porque mesmo com minhas inconstâncias, eu creio. Gostaria que nossos filhos fossem batizados. Ela não, o batismo para ela é um “não” absoluto, ela quer na verdade que eles decidam quando forem grandes. Ela é uma pessoa maravilhosa, compartilhamos dos mesmos valores, com excessão da fé. Ela não crê, mas tem muitas ideias cristãs. Vem de uma família cristã um pouco sofrida e para ela a palavra “família” soa como algo feio, um lugar escuro onde se escondem “monstros” (assim me disse uma vez).
Conversamos com um sacerdote que nos aconselhou ler a Bíblia, mas não entendemos nada além do sentido literal. Não vamos mais à missa porque ela se cansa, acha chato, e diz que a Igreja fala “bobeiras”, deixando uma função secundária para as mulheres e no modo como são considerados os animais. Além do que o curso de preparação para o matrimônio não nos enriqueceu.
Perguntamo-nos: mas o Catecismo não é o Evangelho, o Catecismo é uma interpretação humana, ou seja, poderia ser interpretado de outra maneira? Como minha namorada é uma pessoa de mente muito aberta, está até disposta a me seguir no caminho de fé e ver o que acontece. Eu, porém, não sei o que fazer.
Resposta do sacerdote
Caro,
1. A fé é o valor fundamental que ilumina todos os outros valores e os torna preciosos. Você me disse que ela “compartilha de todos os principais valores, exceto a fé”: sim, existe compartilhamento nos valores, mas até a metade. Porque o sentido de tudo é dado pela fé.
2. É certo que ela sofreu muito e por isso tenho um respeito ainda maior por ela. Mas não posso aceitar a grave afirmação como o julgamento dado sobre a família, que seria o “um lugar escuro onde se escondem ‘monstros’”. Talvez na família dela tenha sido assim. Mas as famílias normais e comuns, aquelas das quais somos provenientes, não são assim.
3. Você me diz que é um crente não muito constante, enquanto ela não tem nenhuma dúvida. Me disse também que vocês não vão mais à missa porque ela fica entediada e diz que a Igreja fala “bobeiras”. Como se alimenta a fé se não a nutre, não reza, não escuta a Palavra de Deus? Como um corpo se torna são e permanece vivo se não respira, não se nutre, não se move? É a mesma coisa para a fé, sobretudo para aquela fé que não está satisfeita em saber que Deus existe, porque isto até os demônios sabem, é a fé que salva porque é comunhão de vida com o Senhor.
4. Como sua namorada faz para ter comunhão com o Senhor, para ter uma fé viva, se não se deixa tirar os pecados da consciência, aqueles pecados que, se fato, – mesmo se não pensamos neles – separam-nos de Deus. O pecado é a separação de Deus. Para poder encontrar Deus é necessário fazer um caminho diferente daquele do pecado. Para isso é preciso, antes de tudo, deixar de seguir um percurso (os pecados, pelo menos aqueles graves), que não somente separa, mas distancia sempre mais de Deus.
5. Você me disse que ela fica entediada na missa. Como lembra a Sagrada Escritura, a carne tem desejos contrários aos do Espírito. Os pecados carnais nos tornam insensíveis à prática religiosa e isso antes de tantas outras graves razões, porque antes de tudo marca uma separação de Deus. João Paulo II, quando mencionava a contracepção conjugal, falava do ateísmo prático. No caso de vocês, trata-se de contracepção conjugal, mas também de convivência pré-matrimonial. Isso, de fato, é viver separados de Deus, até mesmo caminhar separados de Deus. Para poder encontrá-Lo, vocês precisam fazer um caminho contrário, a partir da castidade.
6. “A missa é tediosa”. Para mim, ir à Missa, celebrar a Missa, não é ir cumprir um rito chato, porque é um encontro, uma comunhão, a mais profunda, a mais vital, a mais essencial da minha vida. Mas é algo difícil de explicar, como é difícil explicar qual o sabor do mel. Compreendemos logo que o gosto do mel, assim que o colocamos na boca. Digo isso para explicar que não é somente entrando numa Igreja e assistindo a uma Missa que podemos dizer que sabemos o que, de fato, ela seja. Como sabe, o sacerdote ao início da celebração diz: “irmãos, para celebrar dignamente esse mistério, confessemos os nossos pecados”. “Mistério”: esta palavra significa “realidade escondida”. Na Missa se celebram e se vivem realidades escondidas que são sagradas, santas. Mas se uma pessoa não sabe quais são estas realidades escondidas, assistirá simplesmente ao rito que acontece, que realmente pode ser chato. Por isso a Missa pede silêncio, preparação, recolhimento e sobretudo uma alma pura, porque “a Sabedoria não entrará na alma perversa, nem habitará no corpo sujeito ao pecado” (Sab 1,4).
7. Você me disse que o Catecismo não é o Evangelho. Sim, materialmente não é o Evangelho, mas saiba, aprofunda-o com a pureza da doutrina.
Desta pureza pode estar certo, porque é garantia do próprio Cristo: “Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”, (Mt 16, 17-19).
Quem quis a Igreja foi Cristo, a esta deu a missão de ensinar, garantiu a sua assistência, deu a tarefa de santificar, perdoar os pecados, pastorear suas ovelhas e guiá-las para a salvação, levando-as ao céu. Para a Igreja garantiu a sua presença: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo”, (Mt 28,19-20). Como você pode ver, sua namorada está distante da lógica do Evangelho.
8. Você me disse que sua namorada quer segui-lo no caminho da fé.
A primeira coisa que lhe aconselho fazer é viver o namoro de maneira verdadeira, ou seja, dissolver a convivência, ou pelo menos viver na castidade. A convivência é, por si só, uma ficção: vive-se como marido e mulher, sabendo que não o é, tendo também dúvidas (como certamente você teve). Tente viver a castidade. Se você se esforça a viver castamente, pode se confessar, depois receber o perdão dos pecados e comungar. Leve o Senhor para dentro da sua vida, rezando. Não com qualquer oração, mas estando em comunhão com o Senhor. Um bom método é o do Santo Terço. Tente recitá-lo todos os dias. Para a sua namorada, que se diz disposta a acompanhá-lo neste caminho de fé, proponho a confissão, pois não se confessa há muitos anos. Os pecados pesam, e sobretudo separam de Deus. Peça à sua namorada que reze com você. Diga que a quer como sua esposa para que se torne mãe dos seus filhos, sabendo educá-los e conduzi-los à vida eterna.
Não vou além porque já me alonguei demais. Mas uma coisa gostaria de acrescentar: reze muito. Somente rezando muito você consegue levar Deus, a Sua luz e a Sua ajuda para dentro da sua vida. Assim você estará seguro, é disso que precisa.
Rezo por você
Padre Angelo