Vigário judicial da Arquidiocese explica mudanças no processo de nulidade matrimonial
Foto: Cacilda Medeiros
Foram anunciadas, no dia 8 de setembro, as principais mudanças decididas pelo Papa Francisco em relação aos processos de nulidade matrimonial. O objetivo do pontífice não é favorecer a nulidade dos matrimônios, mas a rapidez dos processos. Nesta semana, o jornal A Ordem traz como entrevistado o Vigário Judicial da Arquidiocese de Natal, padre Júlio Cesar, que esclarece dúvidas acerca dessas mudanças.
A Ordem: Qual a diferença entre nulidade e anulação do matrimônio?
Pe. Júlio: Em primeiro lugar, temos que ter presente que a Igreja não está concedendo divórcio, segundo aquilo que se entende no conceito jurídico civil. Também a Igreja não está promovendo a anulação de nenhum matrimônio. O que a Igreja faz, e isso já o próprio Cristo anunciou quando disse que em caso de uniões ilegítimas reside a possibilidade de um homem deixar sua mulher (Mt 19, 9), é declarar a nulidade de um matrimônio que já no momento de sua celebração foi marcado por vícios e falhas que o fizeram nulo desde o início.
A Ordem: Na semana passada, o Papa Francisco anunciou mudanças em relação aos processos de nulidade matrimonial. O que mudou, então, nos processos?
Pe. Júlio: Dois pontos muito fortes devem nos chamar a atenção na Carta Apostólica Motu proprio MitisIudex Dominus Iesus, promulgada pelo Papa Francisco, no último dia 8 de setembro de 2015. O primeiro é com relação a celeridade do processo de nulidade matrimonial. Hoje, nós que fazemos a Câmara Eclesiástica de Natal estamos integrados ao Tribunal do Regional NE II, com sede em Recife, que abrange 21 dioceses dos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Como podemos observar a abrangência em si já leva a certa demora na resposta que os fieis esperam. Ainda com relação a isso, proferida a sentença afirmativa pelo Tribunal de primeira instância, mesmo que todos estivessem de acordo com ela, pelas normas canônicas atualmente em vigor, a decisão precisa de duas sentenças conformes e, por isso, tem que ser encaminhada ao Tribunal de Apelação em segunda instância, com sede em Fortaleza, que é também o Tribunal de primeira instância para as dioceses do Estado do Ceará, aumentando ainda mais o tempo de espera. Segundo palavras do Papa, as pessoas ficam esperando muito tempo por uma resposta que possa curar suas feridas. Disse ainda o Papa: “É preferível receber logo a resposta, seja positiva ou negativa, mas que saia logo”. Com a nova normativa, uma só sentença afirmativa é necessária, e pode ser dada na própria Diocese, pelo Bispo ou por aquele que ele nomear como Vigário Judicial, não sendo mais necessária a segunda instância. Caso uma das partes deseje recorrer da decisão, o Papa concede que a segunda instância para as Arquidioceses seja a diocese sufragânea do Bispo mais antigo, no nosso caso atualmente a Diocese de Mossoró. Para as dioceses, a segunda instância é sempre a sede metropolitana. O segundo ponto diz respeito às custas do matrimônio, afirmando o Papa que se deve buscar chegar à gratuidade no processo de nulidade matrimonial.
A Ordem: Com os processos mais simples, e, consequentemente, a agilidade para o reconhecimento da nulidade, como fica a ‘indissolubilidade do vínculo matrimonial’?
Pe. Júlio: Não podemos esquecer de que a mudança é apenas processual e não de doutrina. A doutrina sobre a indissolubilidade do matrimônio continua firme. Afinal, esta doutrina é evangélica. Foi o próprio Cristo que afirmou, retomando a expressão do livro do Gênesis: “O homem deixará seu pai e sua mãe, e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne… O que Deus uniu o homem não separe” (Mt 19, 5-6). Negar a indissolubilidade do matrimônio seria abandonar o ensinamento do próprio fundador da Igreja e isso faria com que a Igreja se afastasse de sua missão fundamental que é apresentar Jesus Cristo. A partir disso, devemos deixar claro que não é apenas um ato de desejo da pessoa de que o seu matrimônio seja declarado nulo, mas é preciso um estudo de cada caso para ver se realmente há fundamentos canônicos para declarar nulo um matrimônio que já desde o seu início sequer existiu.
A Ordem: Quanto custa, em média, em termos financeiros, o processo para a nulidade do matrimônio?
Pe. Júlio: Falemos em termos nossos aqui: ao dar entrada em um processo matrimonial na Câmara Eclesiástica de Natal, a parte que o faz oferece uma contribuição de R$ 50,00 para as custas daqui. Ao enviarmos o processo para o Tribunal em Recife, os próprios agentes do Tribunal entram em contato com a parte que deu entrada para negociar a forma de pagamento de quatro salários mínimos para cobrir as custas do processo total. Podemos nos perguntar: não é este um valor alto? Como uma pessoa que não tem condições financeiras favoráveis pode realizar um processo de declaração de nulidade matrimonial? É realmente um valor alto e dificulta o acesso dos mais pobres. Foi justamente este o segundo ponto forte do documento do Papa Francisco. Claro que a gratuidade poderá dificultar um pouco o andamento do processo pelo motivo de termos que contratar pessoas para servir no Tribunal e temos que pensar como lhes retribuir o serviço, como também as despesas com material e manutenção. Porém, certamente, os valores deverão ser bem menores e, hoje, já é assim; os pobres podem e devem ter acesso aos sacramentos e a todos os serviços da Igreja mesmo que não possam pagar.
A Ordem: Na Arquidiocese de Natal, onde e como as pessoas podem obter mais informações sobre a nulidade do matrimônio?
Pe. Júlio: Hoje, na nossa Arquidiocese, nós estamos atendendo às terças e quartas-feiras das 8h30 às 11h30 no subsolo da Catedral. Porém, desde maio passado o nosso Arcebispo Dom Jaime tem colocado na reunião dos Bispos da Província, eu diria até de maneira profética, uma discussão sobre a instalação de um Tribunal Interdiocesano com a participação de Natal, Mossoró e Caicó. A partir de oito de dezembro, quando começa o ano da Misericórdia e entram em vigor as novas normas canônicas, estamos em estudo como irá funcionar.