Publicado em 10/06/2014
A Docilidade ao Espírito Santo
Por Padre Paulo Ricardo
Quando está em estado de graça, uma alma possui dentro de si as virtudes infusas – que são as teologais, fé, esperança e caridade, e as morais, prudência, justiça, fortaleza e temperança – e os dons do Espírito Santo. As primeiras são como os remos de um barco; as segundas, como as velas. Enquanto, nas virtudes, é a alma quem age e a graça de Deus que coopera, nos dons, é a graça de Deus que opera, restando à alma simplesmente ser dócil à Sua ação.
Tome-se como exemplo a oração. Quando alguém, no cumprimento de seus deveres espirituais, reza o Terço, a Liturgia das Horas ou participa de uma adoração ao Santíssimo Sacramento, está agindo por sua própria determinação. É claro que a graça divina também contribui nesse processo, mas é bem visível a importância da ação humana para levá-lo a cabo. Trata-se de uma virtude. Só que acontece, às vezes, de a pessoa estar no meio de um trabalho e vir-lhe uma inspiração para rezar, sem que a iniciativa seja sua. Se ela é dócil, começa então a rezar. Aqui, o Espírito Santo sopra, restando à alma tão somente dispor as velas de seu coração. Trata-se da ação nos dons do Espírito Santo.
Mas, por que tantos veem tão pouco a ação do Espírito Santo em suas vidas? Atente-se à resposta do padre Reginald Garrigou-Lagrange:
“Como é possível que muitas pessoas, depois de ter vivido quarenta ou cinquenta anos em estado de graça e recebido com frequência a santa comunhão, quase não deem sinal da presença dos dons do Espírito Santo em sua conduta e em seus atos, se irritem por qualquer besteira, e levem uma vida completamente fora do sobrenatural? Tudo isto provém dos pecados veniais que com frequência cometem sem nenhuma preocupação; estas faltas e as inclinações que daí derivam tornam estas almas inclinadas à terra e mantêm como que atados os dons do Divino Espírito, assim como asas que não se podem abrir. Tais almas não guardam nenhum recolhimento; nem estão atentas às inspirações do Espírito Santo, que passam inadvertidas; por isso permanecem na escuridão, não das coisas sobrenaturais e da vida íntima de Deus, mas na escuridão inferior que se enraíza na matéria, nas paixões desordenadas, no pecado e no erro; aí está a explicação de sua inércia espiritual.”
“A estas almas se dirigem as palavras do salmista: Hodie si vocem eius audieritis, nolite obdurare corda vestra – Oxalá ouvísseis hoje a sua voz: Não fecheis os vossos corações (Sl 94, 8).”
“Tudo isto provém dos pecados veniais que com frequência cometem sem nenhuma preocupação”. Os maus hábitos de fazer gracejos indecentes, zombar dos defeitos alheios e outras faltas que se cometem deliberadamente são “linhas” que nos mantêm atados ao mundo, impedindo o nosso progresso na vida espiritual e a abertura do nosso coração ao Espírito Santo. Para que os Seus dons se manifestem em nós, é necessário combater esses “pecados de estimação”, que mantêm as nossas asas presas e nos impedem de alçar altos voos.
“Tais almas não guardam nenhum recolhimento”. Influenciados pelo pentecostalismo e por um sentimentalismo modernista, muitas pessoas pensam que serão dóceis ao Espírito se sentirem muitas coisas ou se fizerem muito barulho durante a oração. O conselho de Jesus para bem rezarmos é muito diferente disso. Ele diz: “Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai que está no escondido”. Devemos ter em nosso coração uma cela, uma câmara secreta, na qual possamos entrar e nos deter diante de Jesus. Quando exercitamos isso, somos capazes de fazer silêncio interior até mesmo no meio das agitações do dia a dia.
Na sequência de sua obra, o padre Garrigou-Lagrange explica como podemos fazer para ouvir a voz do Espírito Santo:
“Para ser dóceis ao Espírito Santo, é preciso primeiro ouvir sua voz. E para ouvi-la é necessário o recolhimento, o desprendimento de si próprio, a guarda do coração, a mortificação da vontade e do juízo próprio. É coisa segura que se não guardamos silêncio em nossa alma, e as vozes das afeições humanas a perturbam, não hão de chegar-nos as vozes do Mestre interior. Por isso o Senhor submete às vezes nossa sensibilidade a tão duras provas e de certo modo a crucifica: é com o fim de que acabe por submeter-se totalmente à vontade animada pela caridade.”
Diante da aridez espiritual, da “noite escura dos sentidos”, muitas pessoas ficam apavoradas, pensando que está acontecendo algo de errado. Mas, não está. Trata-se de Deus “crucificando” nossa sensibilidade, a fim de tornar-nos pessoas melhores. Como diz Nosso Senhor no Evangelho, “se o grão de trigo que cai na terra não morre, fica só. Mas, se morre, produz muito fruto”.
Em seguida, são elencados alguns atos concretos para aumentar em nós a docilidade ao Espírito:
“1.º Submetendo-nos plenamente à vontade de Deus que conhecemos já pelos preceitos e conselhos conforme a nossa vocação. Façamos bom uso das coisas que já conhecemos, que o Senhor nos irá fazendo conhecer outras novas.”
Se queremos saber qual a nossa vocação, para onde devemos ir, qual o nosso futuro com Deus, a primeira coisa a fazer é sermos fiel àquilo que já conhecemos. À medida que isso acontecer, “o Senhor nos irá fazer conhecer outras
É importante destacar que esta aula não fala dos chamados “dons carismáticos”. Existe uma diferença entre estes e os dons do Espírito Santo: os primeiros são dados para a utilidade comum; os últimos, para a santificação pessoal. Urge, então, seguirmos firme primeiro nas coisas óbvias. Caso contrário, como será possível progredirmos nos dons? Quantas comunidades e grupos de oração incentivam os dons carismáticos, mas não incentivam a santidade pessoal?
“2.º Renovando com frequência a resolução de seguir em tudo a vontade de Deus. Este propósito faz chover novas graças sobre nossa alma. Repitamos frequentemente as palavras de Jesus: ‘O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou’ (Jo 4, 34).”
“3.º Pedindo sem cessar ao Divino Espírito luz e forças para cumprir a vontade de Deus. Também é muito conveniente consagrar-se ao Espírito Santo, quando se sente inclinado a Ele, a fim de pôr nossa alma debaixo de sua guia e direção. Para isso vamos dizer-lhe esta oração: ‘Ó Santo Espírito, Espírito divino de luz e amor, eu vos consagro minha Inteligência, minha vontade, meu coração e todo o meu ser, seja no tempo, seja na eternidade. Que minha inteligência seja sempre dócil às vossas celestiais inspirações e aos ensinamentos da santa Igreja católica da qual sois guia infalível; que o meu coração viva sempre inflamado com o amor de Deus e do próximo; que minha vontade esteja sempre conformada à vontade divina e que toda a minha vida seja fiel imitação da vida e das virtudes de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, ao qual, com o Pai e convosco, ó divino Espírito, sejam dadas honra e glória pelos séculos dos séculos. Amém.’”
Quem é consagrado à Virgem Santíssima também pode fazer essa consagração. “O cristão que se consagrou a Maria medianeira, por exemplo segundo a fórmula do Beato Grignion de Montfort, e logo ao Sagrado Coração, encontrará tesouros indubitáveis na consagração ao Espírito Santo. Toda a influência de Maria nos conduz à maior intimidade com Cristo, e a humanidade do Salvador nos leva ao Espírito Santo, que nos introduz no mistério da adorável Trindade”.
Por fim, é importante destacar as formas de receber indulgências nesta festa de Pentecostes. A quem, em condições habituais – i. e., em estado de graça, tendo recebido a Comunhão e rezado nas intenções do Santo Padre –, recitar devotamente o hino Veni Creátor, é concedida indulgência parcial. Mas, nos dias 1º de Janeiro e na Solenidade de Pentecostes, é concedida indulgência plenária a quem recitá-lo publicamente. Vale lembrar que para receber as indulgências da Igreja, é preciso desapegar-se todo pecado, mesmo que venial. Eis uma grande ocasião para cortamos de vez esses pecados que tanto impedem a manifestação dos dons do Espírito Santo em nossas vidas.
Coletado do site www.padrepauloricardo.org