A importância do perdão
Por Pe. Paulo Ricardo
Quem não perdoa, atrofia a sua capacidade de amar
O perdão é importante para a vida espiritual porque envolve o amor. Quem não perdoa, atrofia a sua capacidade de amar. Mas, por que é tão difícil fazê-lo? Porque, além de não sermos nem anjos nem animais – mas um composto de corpo e alma –, por conta do pecado original, tendemos a olhar para o mundo externo como para um inimigo. De fato, o demônio convenceu Adão e Eva de que o próprio Deus era seu inimigo. Por isso, o homem se fecha e tem dificuldades em perdoar e amar.
Uma psiquiatra suíça chamada Elisabeth Kübler-Ross, analisando pacientes terminais em hospitais e pessoas traumatizadas por perdas de entes queridos ou situações dramáticas, criou um modelo expondo como as pessoas reagem psiquicamente a ofensas, tragédias e lutos. As suas observações se popularizaram como “os cinco estágios do luto”.
Primeiro, em uma atitude de autodefesa, as pessoas tendem a negar o que está acontecendo, ou por sua soberba ou pela própria dificuldade da situação, como se “o que vem de baixo não as atingisse”.
Depois, passa-se pela fase da ira. A pessoa atingida procura um bode expiatório, alguém sobre quem possa descarregar a sua raiva. Esse culpado pode ser real – como sinal de uma noção de justiça –, mas também pode ser uma ficção, uma alucinação que inventa um falso algoz. Importa dizer que a raiva foi criada por Deus, mas deve ser direcionada aos objetos corretos. Como indica o Apóstolo, “a nossa luta não é contra o sangue e a carne, mas contra os principados, as potestades, os dominadores deste mundo tenebroso, os espíritos malignos espalhados pelo espaço”. Santo Tomás explica que “os pecadores não deixam de ser homens, pois o pecado não lhes destrói a natureza”. E remata:
“Nos pecadores, pode-se considerar duas coisas: a natureza e a culpa. Pela natureza que receberam de Deus, eles são capazes da bem-aventurança, sobre cuja comunhão se funda a caridade, como já foi dito. Por isso, segundo a natureza, devem ser amados pela caridade. Mas, a sua culpa é contrária a Deus e um obstáculo para a bem-aventurança. Assim, segundo a culpa que os opõe a Deus, eles merecem ser odiados, mesmo que sejam pai, mãe ou parente, conforme o Evangelho de Lucas. Devemos, pois, odiar os pecadores, enquanto tais, e amá-los, enquanto são homens capazes da bem-aventurança. E isso é verdadeiramente amá-los pela caridade, por causa de Deus.”
No terceiro estágio, a pessoa entra em uma espécie de depressão, por conta de um sentimento de culpa. Para resolver essa situação, a culpa deve ser iluminada pelo perdão e pela misericórdia de Deus. Como explicado na primeira Direção Espiritual, sobre a dificuldade de amar, é Deus quem nos ama primeiro e, por isso, podemos nos doar de presente aos outros. Do mesmo modo, a chave para perdoar a si mesmo e a quem nos ofende é o próprio perdão que Deus nos oferece, como pedimos na oração do Pai-Nosso: “Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos que nos devem”. Quem tem dificuldade de perdoar padece de uma doença de memória: esqueceu a sua condição de pecador, perdoado por Deus de uma ofensa infinita cometida contra a Sua majestade.
No quarto estágio, tomados pelas paixões, queremos estabelecer uma espécie de barganha, colocando condições para o perdão. Por fim, na fase da aceitação, finalmente se concede o perdão gratuitamente, brotando de Deus.
É importante notar que esse recurso procura retratar psicologicamente uma realidade que é eminentemente espiritual, afinal, ninguém pode amar sem receber a graça de Deus. Esse processo de cura psíquica descrito por Kübler-Ross, portanto, é perpassado por uma verdadeira luta espiritual, que começa na oração e termina em nossa vontade se dobrando diante da vontade divina.
Lembremo-nos das palavras de Nosso Senhor: “Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”; “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso”. Diante do Santo Inocente, que, na Cruz, tudo perdoou, dizendo: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!”